quinta-feira, 8 de julho de 2010

Silences. Heavy and dark. Perhaps this is how the first women and men stared at unknown caves, their souls crushed because they weren't afraid at all. Their minds blank as they stared into oblivion. Their eyes merely echoes of forlorn silences as they grwe suddenly afraid for their humanity, my god, our gods, where did it go?, how can we stare into the still abyss and feel nothing, so much as a fleeting memory, anything, please, silences are heaviest in darkness, where thoughts are guardian angels against the demon of solitude.

This is perhaps our destiny. To look into the dark abyss of the future and feel nothing at all, to see our mind's movement, to judge it unable and useless, buccaneer as it is, since minds are no longer profitable assets in a world of quantity. To try and feel envy at our better off siblings. To force upon our throats, to be happy because a lump suddenly appears and we are again able to stroke our lonely hearts, nourished in the desert.

This is the great tragedy of our time. Humans are no longer a mystery; humanity is increasingly an enigma. The day will come when we will not know why emptiness feels wrong. Laughter will seem strange and magical, a story of times past. And we will try, but it will crash into our ears, glowing.

M.I.A: Inteligência

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Pensa que, para além de não haver muitos leitores, a leitura está a perder terreno neste momento?

O que está a perder terreno é a inteligência. Estamos a tornar-nos mais estúpidos porque vivemos numa sociedade na qual temos de ser consumidores para que essa sociedade sobreviva. E para ser consumidor, é preciso ser estúpido, porque uma pessoa inteligente nunca gastaria 300 euros num par de calças de ganga rasgadas. É preciso ser mesmo estúpido para isso.
Essa educação da estupidez faz-se desde muito cedo, desde o jardim de infância. É preciso um esforço muito grande para diluir a inteligência das crianças, mas estamos a fazê-lo muito bem. Estamos a conseguir destruir aos poucos os sistemas educativos, éticos e morais, o valor do acto intelectual.

Alberto Manguel, Público 5.7.2010

Redenção paginada

quarta-feira, 30 de junho de 2010

Voltou. Finalmente. À custa da morte de uma história em forma de homem. Talvez precisasse disso. Talvez precisasse de saber que o mundo está mais vazio e - coisa estranha - muito mais pequeno. Para redescobrir a vida na literatura. Para que as páginas me prendam e . Para que Steinbeck, o meu Steinbeck, me faça cismar. Laxness murmura, na minha estante. Mailer. Tolstoi. Musil. Neruda. Gabo. Raúl Brandão. Redescubro a vida nos livros, e compreendo. Ler jornais, pasquins desidratados, é uma perda de tempo, um estertor e um insulto ao tempo limitado de que aufiro.

A salvação do mundo, se ainda a podemos encetar, está fugida, algures, nas páginas de Borges. E de Saramago e John dos Passos e Naguib Mahfouz e Orhan Pamuk e Marguerite Yourcenar e Harper Lee e Carson McCullers e Truman Capote e Umberto Eco e Aquilino Ribeiro e Sophia. E de Miguel Torga e Cervantes e Zola e Camões e António Ferreira e Aristófanes e Ibsen e Strindberg e Miller e Brecht e Luandino Vieira e Mia Couto e Tagore e Jorge Amado e George Orwell e Kurt Vonnegut e Isaac Asimov e Phillip K. Dick e Omar Khayyam e todos os autores das 1001 Noites e TH Lawrence e Flannery O'Connor e Laurence Sterne e Thomas Pynchon e João Aguiar e Rubem Fonseca e Czeslaw Milozs e Primo Levi e Italo Calvino e Eça e Ramalho e Herculano. Felizmente, não nos podem tirar este delírio suave, este listar de universos que rebentam, num fragor mudo, com as fronteiras impostas por um país pequeno, governado a partir da cátedra por devoradores da dignidade.

Se tivesse presenciado a queima dos livros, em frente à actual Faculdade de Direito da Humboldt Universität, penso que arriscaria a vida para salvá-los. E, se me perguntassem porquê, dir-lhes-ia: "não os salvo por ser altruísta. Salvo-os para que eles me salvem, para que possam salvar o mundo da escuridão".

Primeira tentativa

domingo, 20 de junho de 2010

"Então, comunista, como estás?". "Acho que acreditar em [inserir ideal utópico e secundário para as prioridades da intelectualidade urbana] demonstra a existência de uma esquerda festivaleira". "Sim, eu voto neles. Já agora, viste que horror é aquele cabelo seboso, aquela camisa barata, aquele perfume malcheiroso?".

Já não se pode afirmar que o mercado não é infalível. Que o sistema financeiro é composto por pessoas e algoritmos nos quais não se deve depositar confiança total. Também não podemos dizer que a igualdade é um princípio ético primaz. Não nos podemos dar ao luxo de acreditar na redistribuição da riqueza, na existência de coisas tão soezes como o ordenado mínimo, o subsídio de desemprego ou um regime fiscal progressivo. Não. A água também pode ser mercadorizada e privatizada. A educação e a saúde constituem sectores não-estratégicos. A energia? Que se privatize, o mercado manda, mesmo que passe os dias no psiquiatra, à espera de orientação. O ar? A terra? Não, não podemos afirmá-lo, dizê-lo seria uma radicalidade, relevá-lo seria provocar os poderes opacos, as eminências pardas sabedoras da incerteza.

Abanamos a cabeça e sonegamos, às evidências, a sua condição transformadora. Preferimos concentrar-nos em que nos está próximo. Em quem nos acompanha neste combate. Preferimos balear os nossos irmãos. Preferimos violar as nossas irmãs. Com o nosso silêncio, cavamos um buraco negro. Criamos a nossa própria extinção.

Chamam-me comunista, ainda que não conteste a propriedade privada. Chamam-me comunista porque consideram tal epíteto uma provocação suave, não desabrida, uma palavrinha torpe e simpática, que me caracteriza, empacota e define. Para que possam estabilizar-nos. Para que sejamos menos ameaçadores. É por isso que somos zapatistas. Que somos comunas, esquerdalhos e palestinianos. Fixados, não podemos feri-los. Somos animais no jardim zoológico: não conseguimos queixar-nos, porque não falamos as suas línguas, os seus dialectos pitagóricos. Deixamos de estar certos. Pensamos que devemos quedar-nos em silêncio, dúvidas ancestrais que nos pressionam as têmporas, será isso preferível a deixar-me enredar neste novelo de certezas?, talvez seja, talvez prefira ter medo e contradizê-lo, não, não sou um comunista, como podes dizê-lo?, no íntimo, é uma vergonha, talvez não no íntimo, mas, em todo o caso, pelo menos, na hipoderme, suficientemente profunda para que possa sentir um toque a finados nos meandros das minhas memórias, das discussões, das lágrimas, dos ódios contra os estalinistas que nos prendem, não, não sou um comunista, o que queres dizer com isso?, sinto a peçonha a acumular-se, sei que não sou comunista, talvez tenha comprado marxismo no Lidl, mas nada mais, nada, estou só a meter-me contigo, tem calma, acalma-te, relaxa.

E temos medo. E relaxamos. E acalmamos. Não somos comunistas. Nós, os que não se vestem como um comunista devia vestir-se. Porque ser comunista é ser okupa. E ser okupa é ser um precário. E nós não somos comunistas, Deus nos livre, nós não somos comunistas, é um epíteto morto, que se lê em livros antigos e empoeirados, não o usamos, sibilamo-lo, "aquele é comunista, já viste?", talvez sejam os nossos óculos e a nossa sintaxe, talvez seja a nossa gramática, as gramáticas da revolução não foram abaixo com o muro, ficaram apenas nos muros de dentro, aqueles que nos dão esta aura de peso, toneladas de tristeza porque carregamos o mundo e a sua possibilidade na retina.

Por que razão disse isto? Que não, não sou comunista, porque dizes isso? E porque me dizem isto, como se ser comunista fosse muito mau, mesmo mau, terrivelmente doentio, uma safadice imunda, esses gajos que conspiram para deitar abaixo um mundo tão bom, tão justo, onde há janelas em andares inóspitos, onde há nuvens que se abraçam aos dólares, e charutos pousados em secretárias de custo indeterminado, e terminais onde a racionalidade dos mercados devora vidas ao almoço e arrota sem memória.

E recorro aos armários onde guardo instantes para classificação póstuma. E vejo que há quem vote neles e culpe os operários. E os desempregados. E esses filhos da puta dos feiosos que não se riem da maneira correcta. É a ditadura do maneirismo, melhor dito Maneirismo, que o dia é de cerimónia engalanada, o ano é de celebração, o mundo ganhou, a realidade ganhou, a vontade e o poder ganharam, e eles votam ao mesmo tempo que assassinam o cheiro a suor, os cabelos empastados em faúlhas opressoras, as roupas e os modos-maus que nunca chegam, mesmo que se cheguem pertinho, pertinho, serão sempre insalubres. Eles votam e erguem o punho, fingindo combater a realidade e contando as moedas com que vendem as utopias às revistas de estilo, aos discos da moda, a tudo da moda, os jornais onde a sociedade morreu e a vontade colectiva é uma cabala de barbudos e cabeludos toxicodependentes. E eles votam. E ruborizam-se. E avermelham-se. E discutem penteados. E as cores das paredes onde chorarão a morte do mundo, às mãos das ideias. E fecharão os olhos à morte das ideias às mãos do mundo, que lhes passa ao comprido. Tudo num passe de dança, num fechar de olhos sem abrir que se compraz na satisfação de conhecer os dois lados da moeada, resolver esse enigma ancião, atirar uma moeda ao ar e apontar uma arma à sorte, agora decido eu, sua puta, que sempre me fodeste e agora mato-te sem honra ou glória, morre para aí sozinha, e pronto, agora podem votar nos comunistas e tecer um mundo em que se podem desejar transístores, em que as comidas processadas são filhas da Virgem Maria, em que as crianças esmagadas debaixo de engrenagens solitárias são filhas da Virgem Maria, porque agora já não há Marias Madalenas, eles podem votar em quem querem e podem ser pedantes à vontade, que esconderão essa dor fundamental atrás de silogismos enciclopédicos, anunciando a possibilidade de tudo, de querer comunistas no poder e saborear as delícias de tudo almejar, tudo querer, sim senhor, sim senhor professor, sim meu amor querido e desejado porque tens tanto poder e eu preciso de poder para não ser obrigada a sentar-me, numa noite solitária, a tecer interrogações desiludidas, de que serve? O que é isto tudo? Tantos livros e restaurantes, tantas conversas grandiloquentes e interjeições terapêuticas, tanta bajulação e tratamento faraónico, deu frutos, resultou e já não preciso de me preocupar, mas isto fica, esta inquietação fica e acordo de noite, afundado em suor, desesperada porque não sei de que serviu, continuo preso a correntes que não intuo, demoro-me em memórias esmaecidas e sinto-me morta. Sim, eles votam nos comunistas, desferem-lhes golpes porque jã não são operários, exigem-lhes que o sejam e que falem como meninos de boas famílias, exigem-lhes que vocalizem todas as sílabas, contestam imagens roucas e grotescas, o cheiro da fábrica não lhes convém, o cheiro da catinga também não, porque os gabinetes e os jantares e as discotecas e as livrarias e as esplanadas ondem se declaram tão revolucionários como Trotsky cheiram muito melhor, não cheiram a morte nem a opressão, as lágrimas de quem os serve podem ficar trancadas fora do mundo que os acomoda, que os embala no sono e lhes dá 1+1=2. Mas eles votam e conhecem. São informados. Até ao dia em que calam a revolta, porque não pode ser ali, é preciso acautelar o futuro, isto não vai lã com amor e uma cabana, nós somos reais, nós somos realistas, nós somos a praxis da pragmática, nós vemos o mundo e sabiamo-lo antes de Deus, antes de Allah, antes do Buda. Não era o momento, ali não, o senhor doutor professor não podia saber que eu choro a ouvir a Internacional, o professor senhor doutor não podia saber que eu cuspo no prato dos burgueses que nunca servi, mas sei que existem e comem criancinhas, eu que sou comunista nunca as comi, mesmo quando me demorei a escarnecer dos cabelos sebentos daquela porca nojenta que grita para outra porca nojenta, feias que são, só podem merecer o destino que as espera, um subúrbio interminável e labiríntico, nem Borges saberia o que fazer daquilo. Era altura de me calar, depois posso chorar, é preferível chorar de barriga cheia que ser íntegro de barriga vazia, é preferível deixar que a integridade seja uma indigente amarga e que se esqueça de si mesma. Eles votam e escarnecem, eles votam e esquecem. Acordam e, sentados à beira da cama, debitam um rol criativo de justificações. Eles são indústrias de justificações austeras, eles constroem-se como quinta coluna, até ao dia, até ao dia, quando isto tudo ruir, eu serei glorifcado, eu serei santificada, haverá hagiografias, haverá universidades com o meu nome, incluindo os meus quatro doutoramentos e os meus trinta e oito mestrados, placas de mármore versajando a minha epopeia de mártir, eu mártir, eu santo, eu santa, tudo isto para ter o reconhecimento das massas, as mesmas massas onde milhões de varejeiras com cabelo empastado, de tímpanos gastos e sonhos estilhaçados, me alçarão à imortalidade, chega-te para lá García Márquez, és um tinhoso, eu é que sou comunista, votei neles toda a vida.

Porque é que tive medo? É difícil explicar. É fácil senti-lo. Os homens são bichos sociais. Queremos viver numa história de amor, numa história de glória, num dealbar de bandeiras em nossa honra. A solidão obriga-nos a perceber a nossa fragilidade. Inventamos fantasmas para esconjurar o silêncio. E, por isso, tive medo. Tu também tens medo. Tu deixas que um medo petulante te destrua, e és uma carcaça vibrante. Eles não concordam contigo, por isso estão errados. Mas o mundo não está errado, apesar de não concordar contigo. Eles tomam realidade em comprimidos, ao passo que tu és toxicodependente. És realodependente. A realidade é como a heroína. É daí que emerge o teu ódio. Também votas e abjuras, como eles. Também és um Galileu arrependido. Também acordas, de noite, com um fragor contorcido no rosto, queres afogar-te na almofada, quando te vens nas noites dolentes em que as ideologias estão atrás das estrelas, nas naves espaciais comandadas pelos vultos que marcam os livros e o teu olhar. E é por isso que só se pode falar daquilo que te conforta. É por isso que tudo aquilo que se esconde nas tuas entrelinhas é censurado, proibido e queimado em efígie. A realidade não se selecciona, é como a heroína. E tu votaste neles, mas não gostas de quem se mascara de oprimido. Não gostas do desconforto que te causam, porque a impostura é uma pele que usas com conforto desditoso.

Pegas numa caçadeira e desatas aos tiros, até os matares a todos. Sonhas com os pormenores, com o sangue a brotar, com os miolos a poluir as certezas confortaveizinhas de todos os porcos e carneiros que estão prestes a saber que a lógica e a razão presidem, num trono inefável, aos destinos do mundo, e és tu o seu anjo vingador. Carregas a caçadeira e dás-lhes esse prazer, o prazer do sentido, o prazer de mostrar ao mundo que vivi para qualquer coisa, fui o móbil deste acto estouvado, desta assassina demente, mas servi para alguma coisa, não fui cúmplice de Chaplin, não causei o suicídio de Débord, embora seja uma pequena nota de rodapé nos borbotões da História.

E eu quero mudar. Quero escrever nos sulcos da carne. Quero arranhar a terra até lhe mostrar a minha dor. Vocês votam e choram de barriga cheia. E dizem que sim com um sorriso enquanto se fazem Dalilas.

menos blogs, menos notícias, menos tristezas

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Que conheça gente obcecada com estatuto. Que eu própria tenha sido, em tempos, obcecado com estatutos e reconhecimentos. Que, já agora, tudo isso tenha sido sensato e traga muito sucesso a quem se revê no mundo das amizades comida-rápida, das ideias cordatas, das formas de tratamento, das revistas que formatam estilos de vida sonhando serem novas bíblias, de conversas resumidas a listas de posses, de restaurantes, bares e cafés sensaborões que constroem lendas na carteira de clientes desabridos e ligeiramente inseguros.

Ainda assim, viverão todos vidas desvanecidas, como os verdes de Outubro no Alentejo. Serão todos ricos e felizes, bronzeados e empanturrados de cozinhas que, por definição, são inacessíveis a quem as poderia criticar com propriedade.

Uma classe inteira de jovens e pretendentes a monarcas, trendsetters que palmilharam, com quanta frustração, os caminhos do reconhecimento, aguardando, na escuridão da indiferença, o momento da sua glória, o parágrafo seguinte nas suas jogadas de longo alcance.

Conheci alguns, que serão, com toda a certeza, notáveis e sumarentos carregadores de poder. E serei, provavelmente, um anónimo varredor de memórias eternamente em busca de sentido e uma côdea de pão.

Mas sei que não é isto. Há-de haver algo mais que estilismos e obsessões estatutárias.

Portas fechadas

quinta-feira, 17 de junho de 2010



Talvez seja uma série de divisões. Talvez precise de olhar para as janelas. Porque todas as portas parecem fechar-se antes que possa espreitar.

Acerca dos apocalipses

quarta-feira, 16 de junho de 2010

¿Cuándo empezó todo?, pensó. ¿En qué momento me su-
mergí? Un oscuro lago azteca vagamente familiar. La pesadilla.
¿Cómo salir de aquí? ¿Cómo controlar la situación? Y luego otras
preguntas: ¿realmente quería salir? ¿Realmente quería dejarlo
todo atrás? Y también pensó: el dolor ya no importa. Y también:
tal vez todo empezó con la muerte de mi madre. Y también: el
dolor no importa, a menos que aumente y se haga insoportable.
Y también: joder, duele, joder, duele. No importa, no importa.
Rodeado de fantasmas.

Roberto Bolaño, 2666