Raiva

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Da próxima vez que alguém me disser

- "mas tu és tão bom/tens tanto valor/consegues fazer tanta coisa/ sabes tanta coisa";
- "tão novo e com um currículo tão bom?";
- "se tu não consegues, ninguém consegue";
- "podes fazer o que quiseres";
- "tem calma";
- "não te preocupes tanto";
- "há quem esteja pior";
- "a minha situação é pior que a tua";
- "não te queixes, olha que [inserir situação-limite]";
- "quem te manda tirar esses cursos?";
- "o que é que queres que te diga?";

...tenho um ataque de fúria incontrolável. Estou farto de gente que só se preocupa com os desgostos alheios para se sentir melhor à noite, quando quer dormir. Estou cansado de pessoas que fazem promessas balofas, fazem julgamentos repugnantes do alto dos seus privilégios e assumem que a sua situação é sempre mais precária que a dos outros, sem que pausem um segundo as suas vidas auto-centradas e aceitem que têm sorte e talvez não devessem queixar-se. Estou farto de absorver narrativas e ser compreensivo, quando as minhas questões, inseguranças e angústias são sempre remendadas com chavões e palavras vazias. Estou submerso num mundo de energúmenos propulsionados pela soberba que aprenderam nas suas escolas, universidades e colóquios. E é por causa disto que esta mente brilhante, este predestinado ao Nobel por inerência, esta luminária em potência que sonha com Harvard e com Ramallah, diz a toda a corja de indigentes e facínoras devoradores: foda-se, estou farto. Estou fatigado. Cansado de tanta pressão, tantos joguinhos sociais, tantas ideias falhadas, tantos discursos incrédulos e discussões inférteis. Divagações e maleitas psicológicas e depressões-ansiedades-mágoasescondidas-(inserir coordenadas aleatórias) e todos os outros desertos e nuvens e dores e sanguessugas indolentes na fila de espera para o meu cadáver dançante. Quero ser um clube de combate para todos os predadores do mundo, enquanto o meu coração não pára e satisfaz todos os que nem sequer sentirão a minha derrota e a implosão do meu carácter. Desfaço-me, todos os dias noites anos sortes em existências pardas e expressas em equações nefastas. E isto solicita-me o destino para cruzadas em que não acredito, frases sílabas declaradas anónimas e torpes. o meu cabelo cai/cái/caí/c-a-i e a extinção do meu olhar é uma reacção química micromacromeso reflectida no espelho da minha ineternidade.

Mais uma vez (só mais uma): foda-se, estou farto. Estou farto de confiar em palavras de arestas magras. Estou extinto de capacidade anímica. Estou desconstroçado em todas as moléculas de ansiedade. Estou. Estou. Sou. Dou. Leio nas caudas dos cometas o meu devir paralelo e o mundo parece-me escurecido, música tremelódica que dói no peito, não porque seja bela, mas porque é suspeita, porque é assassina, porque esteve numa esquadra representada em série televisiva de má qualidade, porque estamos todos a caminho da máquina de sonhar, que isto não anda nem para Molero, nem para Tyler Durden, nem para Pantagruel, desfaço os dedos em sangue nas teclas do comando, desfaço-me em vento a cheirar o futuro na varanda desta casa quentefriamorna sem temperatura definida e por isso tão mais definida que esbugalho a minha ética e os meus olhos perscrutam o lado obscuro do silêncio.

Tenho que fazer sentido? Tenho que escrever? Tenho que. Devo-te. Sinto-te. Arranho-te. E tudo isto é um obstaculizar imenso das certezas. E não sou um escritor adverso. E não sou um pintor magoado. E não subo escadas com um sorriso na cara, contrariado com a impressão desconfortável de uma t-shirt demasiado apertada, imagino assassínios latino-americanos, latino-asiáticos, latino-oceânicos, depois penso que sim, que sou um latino-oceânico e quero o mar, sinto o mar, mas é um patrioterismo bacoco que está prestes a reduzir-me a hemoglobina renegada, sou um ataque isquémico a pulsar nas possibilidades de veias infinitas, quero a terra viva, quero só um pedaço de vida para arar o mundo e criar um futuro novo, que o futuro velho é cinzento e estuporado, o cabrão, que me deixa ancorado na capacidade de nadar como Sísifo, como Tântalo, como mitos contemporâneos tragados pela velocidade.

Juro. Se alguém me diz aquelas sevícias, tenho um ataque de fúria. Estou farto de palavras compradas no supermercado.

1 comentários:

Beko disse...

eu não espero nada de ti.. e se lá chegares já não é mau