(...)"Naturalmente, Angústia". "Como naturalmente? Supões que surgimos, de rompante, na vida destes miseráveis? Que somos génios maus emersos da lama?". "Sim. Crepitamos nas margens dos seus sonhos, debruamos a negro as suas vontades e desafios. E, acima de tudo, queremo-los frágeis". "Mas não te questionas acerca do teu próprio propósito? Nunca te sentiste tentado a reflectir acerca do sentido da tua existência?". "Eu? Que estupidez. Nós não somos capazes de reflectir. Somos meras impressões lunares, damos-lhes a ilusão de serem capazes de pensar, de estarem aptos a tomar o controlo das suas vidas e a dirigir um destino menos macabro que aquele ao qual estão inevitavelmente votados". "Já te ocorreu, certamente, a possibilidade de não sermos aleatórios, de fazermos parte de um grande plano cujos contornos desconhecemos e no qual desempenhamos um papel pouco relevante...". "Sim. Já me ocorreu. E, pouco depois, essa suspeição desapareceu. Mesmo que isso seja verdade, os arquitectos desse plano não poderão sopesar a sua obra durante muito tempo. É que estes seres abomináveis têm uma qualidade estranha, uma condição, dir-se-ia, virtuosa". "De que falas?". "Da sua capacidade de impregnar os seus correligionários de memórias, ideias, sensações. Sinto-o. Quando inquino os pensamentos de um deles, cindo-me em partículas inumeráveis; vejo um clarão; e, de súbito, acho-me nas partículas ônticas do outro, dos outros e de outros, de todos eles, como uma mente-colmeia, ligada como pequenos veios pulsantes". "Agora que falas nisso, também o sinto. É uma impressão estranha: parece dar-nos força, mas sinto que é um vigor canibalístico; essa dispersão acaba por cansar-nos, esgota-nos e eles, imperceptivelmente, voltam a laborar, como pequenos operários, na nossa destruição". "Sim, Desespero. É que nós, como pequenos espiões da Noite, estamos, como os nossos hóspedes, condenados. Por isso, devemos esconder a possibilidade dos arquipélagos: se eles se sentirem ilhas, viveremos mais."
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