Dos especialistas e da motivação

terça-feira, 23 de março de 2010

A philomath (pronounced /ˈfɪlɵmæθ/) is a lover of learning, from Greek philos ("beloved," "loving," as in philosophy or philanthropy) + Greek manthanein, math- ("to learn," as in polymath). It is similar to but distinguished from philosophy in that "soph," the latter suffix, specifies "wisdom" or "knowledge."

Bom. Respiro fundo e reflicto. Digo, algures no tempo - talvez ontem -, que o mundo já não está de maré para gente como eu. Gostar de saber é uma desvantagem no campo do conhecimento. Fazer associações livres é sinónimo de desconcentração, dispersão e abandono da especialização. Propor ideias aparentemente absurdas é recebido com olhares desconfiados, um ataque à prossecução dos projectos políticos que comandam as carreiras de todos os jovens académicos. Reler os clássicos implica um dispêndio de tempo e energia que deveria ser aplicado à aquisição de capital radicular, para além da premência de uma familiaridade crescente com o state-of-the-art. Aristóteles, Lucrécio, Marx, Weber, Norbert Elias ou mesmo Pierre Bourdieu pertencem, cada vez mais, ao passado. Agora, importa ler aquele artigo importantíssimo na APSR, na ASR ou no outro acrónimo ridículo de que não me lembro agora.

Por isso, não consigo identificar-me com este mundo. É um universo de cálculos micropolíticos, em que o fascínio do conhecimento foi substituído pela pulsão do estatuto. Ler a revista certa, citar o autor apropriado, agradar aos machos e fêmeas-alfa ou pertencer à clique indicada constituem desígnios que me fazem ponderar. Não é isto que pretendo. Uma vida de dependência relativa a seres humanos investidos na cristalização de desigualdades? Acumular PhDs, mestrados, artigos, livros, conferências e citações? Em que é que isto nos ajuda à procura da felicidade? Porque é que esta procura é tida, hoje, como lamechice relegada para a escuridão açucarada da indústria da auto-ajuda? A política não tem, como fim último, a procura da felicidade, i.e. a realização do potencial individual e colectivo inerentes à condição humana? Se é assim, porque é que as Ciências Sociais são tidas como parente pobre do conhecimento industrializado? Os congressos dedicados às ciências computacionais acumulam-se, produzindo quadros cada vez mais detalhados de sistemas, estruturas e processos. Queremos segui-los? Queremos, porque, atrás desse seguidismo tecnocrático, vêm meios financeiros que nos - aos cientistas sociais - permitirão auferir de um estatuto social análogo ao dos cientistas não necessitados de qualificação. E a segmentação do conhecimento é uma função óbvia da procura de estatuto. Em Portugal, onde a hierarquização e a desigualdade estrutural das relações sociais inquina a circulação do conhecimento, isto é demasiado evidente. Mas, como em quase tudo, conseguimos ignorar o elefante na loja de porcelana.

Escrevo um artigo banalíssimo acerca de um processo totalmente irrelevante, do qual continuo a saber pouco ou nada, para que, dentro em breve, possa ser questionado por pessoas tão imersas na sua própria narrativa de poder como eu. Se eu fosse um Pavlucha ou um académico vidrado na posse de estatuto, sentir-me-ia poderoso. Só sinto desprezo e uma angústia ligeira. Farei o papel de estudante promissor, com aquela pequena centelha de génio. A vontade? Mandá-los todos bardamerda e explicar-lhes que o propósito da humanidade é mais que ter um grande impacto na ISI e que a academia não é formada por aqueles que demonstram maior capacidade intelectual, mas por aqueles que encaixam totalmente na especialização cognitiva do capitalismo tardio. A academia é o reverso progressista da alta finança. Os discursos mistificadores são semelhantes.

Um PhD, depois três ou quatro Postdocs, uma posição confortável algures na Europa ou nos EUA, 50 artigos escritos e cinco ou seis livros publicados. Importância? Zero. Relevância para as pessoas que legam sentido à minha vida? Zero. Impacto social positivo? Zero. Ansiedade? ∞. Desadequação? ∞. Desmotivação? ∞.

Um dia destes, também escreverei acerca da higienização do discurso da esquerda, no que diz respeito à procura da felicidade. É por isto, aliás, FOI por isto que nos tornámos pregadores gastos. Porque desconstruir só tem sentido quando se aponta para o objectivo singular da existência.

As palavras de Benjamin Franklin e de Thomas Jefferson dizem tudo:
"We hold these Truths to be self-evident, that all Men are created equal, that they are endowed by their Creator [sic] with certain unalienable Rights, that among these are Life, Liberty and the pursuit of Happiness."

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