Os Quinhenteuristas ou Mandar uma Geração Inteira à Merda

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Começa aqui. Li isto e fiquei possesso.

Depois, pensei em fazer um comentário a este post, mas alongou-se, tal era a minha fúria, e prefiro deixar aqui, a título da posteridade e das gerações futuras que me encarregarei de aviltar, se me tornar num velho jarreta e insuportável.

Quer então dizer que as gerações precedentes podem dar a desculpa do contexto ("eles é que nos roubam"; "a economia é que está mal"; "este país não funciona"), mas a geração hi5 não? A culpa de tudo o que acontece à geração hi5 é da geração hi5?

Esta conversa faz-me lembrar certos passageiros de transportes públicos. "Esta juventude está perdida, não têm valores, não têm objectivos". Pois é. Mas, que eu saiba, esta juventude surgiu por causa de quem agora diz que está perdida. Que ainda não somos andróides emanados de casulos assexuados, acho eu.

E, se há alterações climáticas, se há desequilíbrios estruturais na economia, se há desaceleração demográfica, se os valores se perdem, não é por responsabilidade da juventude 16-25. Contra mim falo, que andei anos a tentar dizer aos meus colegas de faculdade que era preciso dialogar, se necessário lutar contra as injustiças criadas por estruturas sociais erigidas pelas gerações precedentes, que se queixam da falta de valores da juventude, mas que não são capazes de olhar para o espelho e perceber que a disfunção social/institucional decorre da sua própria inércia, incompetência e cobardia. Fiz parte de associações, nem sempre com sucesso, mas sempre com disponibilidade. E nem todos os jovens estão perdidos ou desinteressados. Estão, sim, desinteressados num quadro institucional que premeia a incompetência, a mediocridade, as cunhas (nas suas várias degenerescências), a antiguidade (que é um posto arcano) e a arrogância autoritária das mentalidades que, caso fosse possível, encerraria no Museu de Arte Antiga.

É de pessoas reais, palpáveis, tangíveis, de que vocês falam. Pessoas que nasceram depois da dívida portuguesa ao FMI, pessoas que nasceram depois ou durante o cavaquismo, pessoas que nasceram depois da adesão de Portugal à CE/CEE/UE, pessoas que nasceram depois da queda do Muro, pessoas que nasceram depois do VOSSO consenso de Washington, pessoas que nasceram depois do VOSSO devorismo, pessoas que vivem imersas num caos pessoas que são obrigadas a ficar em casa dos pais porque não conseguem subsistir sozinhas - acho inacreditável que considerem todos os jovens 16-25 preguiçosos ao ponto de quererem limitar a sua própria autonomia -, pessoas que podem não ter referenciais normativos aceitáveis para vocês, mas que tentam construir algo para si mesmas. Queria ver-vos sujeitarem-se aos callcenters, a distribuir flyers à chuva e aos falsos recibos verdes. Falam todos do alto da vossa sapiência, atribuindo responsabilidade total aos 16-25 pela sua situação e destino, mas divorciam-se das vossas responsabilidades.

Acho incrível que insistam em comparar a minha geração, os "millenials", a "Y", a hi5, a facebook, a 16-25 (já estou no último ano de pertença, vá lá...), à geração rasca e às gerações precedentes. Que eu saiba, a geração rasca não pagou as propinas que eu tive que pagar com o meu trabalho. E sabem o que é pior? É que eu trabalhei e, mesmo assim, fui obrigado a ficar em casa dos meus pais, porque, mesmo trabalhando, não podia ter uma casa e pagar os meus estudos. Era uma ou outra. Eu e os meus colegas, que também não puderam ficar em casa a coçar a micose, enquanto o Estado lhes dava bolsas de investigação, mestrado e doutoramento, para ficarem quase uma década a fazer ponta de corno - enquanto nós, os 16-25, recebemos a mesma bolsa que vocês, mas sem ajustes à inflação ou ao custo de vida, para nos esfalfarmos a ser escravos da vontade dos baby-boomers e dos "rascas" que lhes herdaram os tiques autoritários. E temos medo. Temos medo porque NÃO queremos voltar para casa dos pais. Porque queremos a nossa independência e não queremos copiar as frases dos outros, ao contrário do que é dito no post.

Também não pudemos beneficiar das reformas estruturais da administração pública, que deram emprego a muitos membros da dita "geração rasca".

Já que fiz disto um manifesto mais longo que o post original, volto a frisar o mesmo ponto: vocês insistem na nossa responsabilidade total perante a nossa situação, mas referem-se sempre aos "eles", à vossa situação como efeito directo e insofismável de uma conspiração global contra os vossos interesses, os vossos sonhos e desejos.

É sempre fácil dizer que a situação dos outros é responsabilidade unica e exclusivamente sua, ao passo que a nossa é atribuível a outrém, a um ente conspirador e malévolo. Porque "nós" temos valores, temos projectos, temos vontades, temos vidas e temos legitimidade para exigir. Vocês, os putos, os jovens, os precários, os preguiçosos, os indigentes mentais, os 16-25, os facebook/hi5 freaks, queixam-se de quê? Vocês têm tudo, têm Internet, têm iPhone, têm Playstations, cinema 3d, preservativos com sei lá quantos sabores, viagens low-cost para Ibiza, Copenhaga e Paris; estão a queixar-se do quê? Vocês só querem é ronha, ficar em casa com a cama lavada e comida da mamã na mesa, com os vossos canudos e os vossos mestrados, são todos blasés mas nem sabem abrir uma conta num banco.

É isto que se pensa? É mesmo?

Porque eu, que trabalho num Centro que inclui um Gabinete de Inserção Profissional - e estou a perder minutos preciosos de trabalho para escrever isto em resposta a um post que desqualifica todas as instâncias de apoio - não vejo isso. Não vejo jovens 16-25 despreocupados. Não vejo jovens 16-25 sem valores. Vejo olhos envidraçados de vergonha. Vejo tristeza. Vejo miúdos e miúdas esmagados pelo desemprego e pela manutenção do limbo, do não sair nunca da casa dos pais, cujo carinho não basta.

Falta de objectivos? Falta de coragem? Acham que é falta de coragem ir trabalhar para um callcenter? Já lá estiveram? Sabem o que é? Acham que é ter falta de objectivos querer um trabalho durante mais que a merda de um período de 6 meses? Também queremos ter famílias, emprego certo e falar de barriga cheia como vocês. Também queremos ter o vosso ennui burguês. Mas não podemos.

Mas nunca aceitarei que chamem, à minha geração, a "geração perdida", a "geração quinhenteurista" ou a geração "do desinteresse, da falta de valores, de coragem e de objectivos". Querem ter pena, querem criticar-nos, pois critiquem com quantas balas tiverem. Eu faço parte da geração 16-25 e recuso-me a aceitar estas críticas estúpidas de quem não tem pejo em dizer que, se alguma vez teve dificuldade na vida, foi por culpa "deles" e que tem muito bons valores, objectivos, projectos e o raio que parta.

1 comentários:

ricardo disse...

Grande, grande post!! Ainda bem que dispensaste alguns minutos do teu trabalho para o escrever!!